Conteúdo de gavetas

Mais um ano que começa. Mais uma tentativa de limpeza das muitas caixas e gavetas repletas de papelada. Fica aqui um desses "achados".


Quis ver o pôr-do-sol pela última vez, neste verão, aqui no Algarve.

Frustrante: cheguei tarde! São quase oito horas e o sol já se pôs por detrás daquelas árvores ali em cima. Pena que não se possa fazer como no mundo da fantasia – bater palmas e o sol renascia… – bem, paciência!

Olho em volta e noto que a praia está deserta. Quero aproveitar este momento. Um momento só meu!

Mesmo sem olhar para trás sinto a força imponente da falésia que se une gentilmente à areia fina aqui em baixo. As gaivotas começam a procurar abrigos para pernoitar. Até os bichos de sons estranhos se calaram.

O mais incrível é o silêncio – ouve-se somente o mar. A ondulação é fraca e cada onda parece um beijo na face de uma criança: suave e reconfortante.

O que eu faria por uma fotografia deste momento. Nunca serei capaz de transmitir a “imagem” à qual pertenço. O mar foi pintado em tons de cinzento, com leves pinceladas de lilás.

No meio do rosa esbatido do céu, encontra-se a minha velha amiga, confidente e protectora. De um branco tão forte, numa pequena mostra da sua energia e do seu infinito poder.

O elegante e esbelto quarto crescente faz-me acreditar que está a sorrir, a apreciar este momento de uma forma tão ou mais intensa do que eu.

Olho directamente para ela e falo, falo, falo…também faço mais um pedido. Despeço-me com um “Até breve. Vou para cima. Esperam-me para jantar!”

Mais uma olhadela em redor, um inspiro profundo na tentativa de levar um pouco desta tranquilidade comigo e começo a percorrer o passadiço sem me voltar.
(mjq, Praia da Falésia, Agosto, 2005)